quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Sobre o Poder Local - Mário Nuno Neves

O “Poder Local” vive hoje momentos difíceis porque o tempo em que vivemos representa uma verdadeira alteração paradigmática das funções da administração local.
Essa alteração de paradigma, resulta, na minha opinião, de dois factores absolutamente distintos mas complementares quanto aos resultados práticos: uma alteração profunda nas regras de financiamento, quer do ponto de vista das receitas fiscais quer do ponto de vista da capacidade de endividamento para investimento, e uma mudança muito clara das expectativas das populações em relação à missão específica das autarquias locais.
Durante décadas coube, por excelência, às Câmaras Municipais, a criação de infra-estruturas pesadas, tornando-se as mesmas nos principais clientes das empresas de construção civil: bairros sociais, saneamento básico, estabelecimentos de ensino, pavilhões, infraestruturação de zonas industriais, de tudo isto as autarquias fizeram, uma mais outras menos é certo, mas a verdade é que o País se desenvolveu extraordinariamente porque a administração local liderou esse processo.
A abundância de fundos comunitários, aliada a um boom de receitas, sobretudo oriundas das transacções de índole imobiliária, criaram uma espiral despesista quase incontrolável, agravada pela inexistência quase absoluta de especialistas em economia e em gestão ao serviço das instituições, o que levou que algumas regras fundamentais a uma boa administração, do ponto de vista financeiro, fossem descuradas.
Por outro lado, as populações, à medida que as infra-estruturas foram sendo construídas, alteraram, muito naturalmente, os patamares das expectativas. Deixando de exigir às Câmaras que fizessem as obras de saneamento, passaram a exigir que procedessem ao tratamento dos lixos, e por aí fora, num crescendo próprio de quem vê necessidades satisfeitas sucessivamente.
Hoje a maioria da população abandonou o paradigma da quantidade, para abraçar o paradigma da qualidade. O que as pessoas querem é que as autarquias promovam os mecanismos de exercício da cidadania e que prestem serviços de carácter social, educacional, cultural e processual de qualidade. Querem rapidez nas soluções, querem eficiência e eficácia. Querem modernidade.
Esta mudança de paradigma – da quantidade para a qualidade – obriga as Câmaras Municipais a mudanças profundas na sua própria organização e funcionamento.
Passamos do primado da engenharia para o primado das ciências sociais, em que as respostas a dar se centram quase todas ao nível do preenchimento das lacunas que as características da sociedade, neste dealbar do século XXI, não conseguem preencher.
As autarquias têm que passar a ser as fomentadoras das condições para a formação integral dos cidadãos, para a protecção de segmentos mais fragilizados da sociedade, em que os mais jovens e os mais velhos são alvos prioritários, para a criação de postos de trabalho qualificados e para atracção de investimentos produtivos e de excelência.
As autarquias não podem continuar a ter o papel de locomotivas pesadas. Têm que passar a ser, sobretudo, entidades facilitadoras.
Entidades facilitadoras dos empresários, industriais e comerciais, dos jovens empreendedores, das instituições de carácter social e facilitadoras do processo de passagem das boas ideias aos projectos concretos.
É altura das Câmaras Municipais serem as intermediárias entre as várias energias que se geram nas comunidades, assumindo um papel especialmente sinergético.
Este período de transição pode ser – está a ser – doloroso para o Poder Local, mas é inevitável e causará uma mudança radical quer na estrutura das próprias administrações quer no perfil dos autarcas, dos bons autarcas do futuro, a quem e cada vez mais, vai ser exigido que tenham uma ideia clara de desenvolvimento e crescimento para as comunidades que decidiram representar e não permanecerem amarrados a um modelo que inexoravelmente se esgotou.
Do ponto de vista institucional ou, melhor dizendo, do ponto de vista da configuração orgânica, deverá haver mecanismos que façam o poder executivo derivar directamente do poder fiscalizador, ou seja: os executivos municipais devem emanar directamente dos parlamentos locais, embora, na minha opinião devam ser introduzidos mecanismos que, salvo situações excepcionais, permitam a estabilidade das equipas executivas durante todo o mandato(alargado para cinco anos, com limite máximo de dois para cada membro que as componha).
Por outro lado, a possibilidade de candidaturas e os respectivos procedimentos, deverão ser facilitados e aligeirados por forma a que grupos de cidadãos organizados possam participar, se assim o entenderem dos sufrágios nas mesmas condições de que os partidos políticos.
O financiamento das campanhas deveria ser exclusivamente público e rigorosamente “plafonado”, com fiscalização e certificação legal de contas.
Para terminar é também minha opinião que o mapa municipal e de freguesias do País deveria ser reformulado – há concelhos e freguesias a mais - e as competências das câmaras municipais e das freguesias redefinidas, e às últimas o Estado deveria assegurar uma clara autonomia financeira.. Olhando para o nosso município, a existência de dezassete freguesias é um desperdício de recursos e de sinergias. Estou convencido que cinco freguesias seriam as suficientes e geradoras de massa crítica que só beneficiaria as próprias populações.
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